terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Éter

A cidade passava por um de seus mais hediondos verões
Até que revi tua face e o inverno fechou-se outra vez
Literalmente

Que poderes exerces sobre essa cidade?
Quais anjos dependurastes por sobre esse Éden florido
para que toda as portas se me fechassem?
Para qual recanto amaldiçoado me condenarás a viver à sombra de um homem qualquer e dar início a uma geração de assassinos?

De que maneira exerces tua cólera por sobre as árvores, flores, frutos, praças, pessoas, carros que vagam sem nunca estares presentes como o esposo das freiras?
A que atrocidades sujeitarás o meu corpo de mulher?
Com quais vinganças castigarás a minha humanidade?

Transformar-me em estátua de sal sempre olhando para trás.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A beleza da solidão
As curvas do corpo jogado na cama
O vazio da cama
A paz do silêncio
Respiração
Pensamento
Respiração
Silêncio
Paredes
Trocar de lado na cama
A cama vazia
A cama imensa como um oceano de lençóis cor de rosa
O silêncio
As paredes
Os móveis
Suspiro

Fechar os olhos

sábado, 30 de julho de 2016

Lígia

Eram 14:00. Lígia estava em sua cama no dormitório do colégio onde passava a semana e cursava agora o segundo ano do ensino médio. Havia tirado um cochilo após o almoço e agora teria de se preparar para a aula de educação física. Ela tomou a decisão de vestir os shorts mais curtos que tinha em seu guarda-roupas acompanhado da blusa branca folgada que era o uniforme do colégio.
 Passou na lanchonete do colégio para comprar chicletes e no momento em que recebia o troco ouviu uma voz atrás de si:
- Vai vestir uma roupa, menina!
            Era um homem que passava por ali. Devia ser pai de algum aluno. Tinha já seus quarenta anos e a despeito disso os cabelos estavam quase que completamente grisalhos. Usava uma blusa de banda de rock e jeans velhos. Lígia, que não perde oportunidade de dizer o que pensa, respondeu:
- Não se mete! Você não é meu pai. Não paga minhas roupas nem minhas contas.
            O homem parou de andar, olhou para Lígia e riu.
- Se você fosse minha filha, nunca se vestiria assim.
            Lígia o encarou pensando na próxima resposta. Ele olhava para suas coxas descobertas com reprovação. Mas não era só isso... Havia algo a mais por trás. Ali, bem no cantinho dos olhos. Era fome. Ele retomou o seu caminho em direção à saída do colégio e, segurando os chicletes recém-comprados, Lígia o acompanhou até que ficou lado a lado com o desconhecido. Estendeu-lhe um chiclete. Sem interromper o paço, ele riu e aceitou.
            Já fora do colégio, três colegas de Lígia que vinham caminhando na direção contrária, deram risinhos e cochicharam nos ouvidos umas das outras. Ao passarem por Lígia, uma delas falou um demorado e risonho “ooooi”. Lídia parou e segurou a mão do desconhecido, o que o fez parar também. Antes que ele protestasse, ela falou sorrindo:
            - Oi, Carol. Esse é o meu pai. Ele veio à cidade resolver umas coisas do trabalho e agora vou levá-lo para conhecer alguns lugares da cidade já que ele nunca tem tempo de vir. Você pode avisar ao professor que vou faltar a aula de hoje?
            Os risinhos morreram.
            - Claro, pode deixar.
            E Carol se retirou com as colegas voltando aos cochichos. Antes de retomar o caminho, o estranho perguntou incrédulo:
            - Que tipo de brincadeira é essa?
            Mas ainda que tentasse manter o tom de desaprovação, perguntava mais por curiosidade mesmo. Lígia ignorou e, sem soltar a mão do homem, continuou o caminho. Ele não protestou mais; aliás, ia agora guiado por Lídia que, andando mais a frente, o puxava pela mão. Dali a alguns paços ela virou a esquina e, mais alguns metros depois, parou olhando para o outro lado da rua. O estranho parou e também olhou. Era uma pousada. O homem olhou de volta para Lígia, e então de novo para a pousada e mais uma vez para Lígia. Impaciente, ela retomou o caminho até a pousada puxando o estranho pela mão. Ele não protestou.
            Ao entrarem na pousada, o desconhecido explicou para o recepcionista que gostaria de um quarto duplo para si e sua filha. Enquanto assinava o termo de política da pousada, com o outro braço o homem envolveu Lígia pelo quadril. Ao fechar a porta do quarto, sem hesitar e sem acender as luzes ou abrir cortinas, Lígia beijou o estranho que, passado o choque do beijo repentino, deslizou uma das mãos entre as coxas de Lígia, por cima dos shorts curtos de mais.
***
            Lígia e o estranho deitados um de frente para o outro em uma das duas camas de solteiro que havia no quarto, olhavam-se através da penumbra. Lígia sentia-se muitíssimo satisfeita. O estranho também. E, antes que qualquer questionamento próprio lhe invadisse a cabeça acerca do que acontecera ou do que aconteceria agora, Lígia falou. Falou para não pensar mesmo.
            - Estou com fome. – Foi a primeira coisa que lhe veio à mente. E estava realmente com fome.
            - Eu também.
            E dito isso os dois levantaram-se, tomaram banho, vestiram-se, deixaram a chave do quarto na recepção, foram até uma lanchonete e pediram sanduíches e batatas fritas. Enquanto a comida não chegava, o homem já não tão desconhecido assim bebericava uma cerveja e Lígia um refrigerante. Ela detestava gosto de bebida. A não ser que estivesse num beijo. Imersa em seus pensamentos, ora fitando os pequenos olhos castanhos, ora observando os movimentos exercidos pela boca do homem para tomar os goles de cerveja, Lígia quebrou o silêncio.
            - Qual é o seu nome?
            Os sanduíches e batatas chegaram.


domingo, 10 de julho de 2016

Desfruto

Vejo pela janela árvores. Árvores de todas as cores tamanhos, vivas, sorriem, balançam os galhos da copa frondosa. Os frutos gordos, suculentos, caem pelo chão abrindo-se e deixando cair seu néctar. Que belos frutos. Sinto o cheiro doce, provo do sabor, encanto-me, mas não os quero. Não são meus. Penso na minha própria copa. Galhos secos e duros, negros. Eu infrutífera. Pra que tanta raiz, meu deus?