Eram
14:00. Lígia estava em sua cama no dormitório do colégio onde passava a semana
e cursava agora o segundo ano do ensino médio. Havia tirado um cochilo após o
almoço e agora teria de se preparar para a aula de educação física. Ela tomou a
decisão de vestir os shorts mais curtos que tinha em seu guarda-roupas
acompanhado da blusa branca folgada que era o uniforme do colégio.
Passou na lanchonete do colégio para comprar
chicletes e no momento em que recebia o troco ouviu uma voz atrás de si:
-
Vai vestir uma roupa, menina!
Era um homem que passava por ali. Devia ser pai de algum
aluno. Tinha já seus quarenta anos e a despeito disso os cabelos estavam quase
que completamente grisalhos. Usava uma blusa de banda de rock e jeans velhos.
Lígia, que não perde oportunidade de dizer o que pensa, respondeu:
-
Não se mete! Você não é meu pai. Não paga minhas roupas nem minhas contas.
O homem parou de andar, olhou para Lígia e riu.
- Se
você fosse minha filha, nunca se vestiria assim.
Lígia o encarou pensando na próxima resposta. Ele olhava
para suas coxas descobertas com reprovação. Mas não era só isso... Havia algo a
mais por trás. Ali, bem no cantinho dos olhos. Era fome. Ele retomou o seu caminho
em direção à saída do colégio e, segurando os chicletes recém-comprados, Lígia
o acompanhou até que ficou lado a lado com o desconhecido. Estendeu-lhe um
chiclete. Sem interromper o paço, ele riu e aceitou.
Já fora do colégio, três colegas de Lígia que vinham
caminhando na direção contrária, deram risinhos e cochicharam nos ouvidos umas
das outras. Ao passarem por Lígia, uma delas falou um demorado e risonho
“ooooi”. Lídia parou e segurou a mão do desconhecido, o que o fez parar também.
Antes que ele protestasse, ela falou sorrindo:
- Oi, Carol. Esse é o meu pai. Ele veio à cidade resolver
umas coisas do trabalho e agora vou levá-lo para conhecer alguns lugares da
cidade já que ele nunca tem tempo de vir. Você pode avisar ao professor que vou
faltar a aula de hoje?
Os risinhos morreram.
- Claro, pode deixar.
E Carol se retirou com as colegas voltando aos cochichos.
Antes de retomar o caminho, o estranho perguntou incrédulo:
- Que tipo de brincadeira é essa?
Mas ainda que tentasse manter o tom de desaprovação,
perguntava mais por curiosidade mesmo. Lígia ignorou e, sem soltar a mão do
homem, continuou o caminho. Ele não protestou mais; aliás, ia agora guiado por
Lídia que, andando mais a frente, o puxava pela mão. Dali a alguns paços ela
virou a esquina e, mais alguns metros depois, parou olhando para o outro lado
da rua. O estranho parou e também olhou. Era uma pousada. O homem olhou de
volta para Lígia, e então de novo para a pousada e mais uma vez para Lígia.
Impaciente, ela retomou o caminho até a pousada puxando o estranho pela mão.
Ele não protestou.
Ao
entrarem na pousada, o desconhecido explicou para o recepcionista que gostaria
de um quarto duplo para si e sua filha. Enquanto assinava o termo de política
da pousada, com o outro braço o homem envolveu Lígia pelo quadril. Ao fechar a
porta do quarto, sem hesitar e sem acender as luzes ou abrir cortinas, Lígia
beijou o estranho que, passado o choque do beijo repentino, deslizou uma das
mãos entre as coxas de Lígia, por cima dos shorts curtos de mais.
***
Lígia e o estranho deitados um de frente para o outro em
uma das duas camas de solteiro que havia no quarto, olhavam-se através da
penumbra. Lígia sentia-se muitíssimo satisfeita. O estranho também. E, antes
que qualquer questionamento próprio lhe invadisse a cabeça acerca do que
acontecera ou do que aconteceria agora, Lígia falou. Falou para não pensar
mesmo.
- Estou com fome. – Foi a primeira coisa que lhe veio à
mente. E estava realmente com fome.
- Eu também.
E dito isso os dois levantaram-se, tomaram banho,
vestiram-se, deixaram a chave do quarto na recepção, foram até uma lanchonete e
pediram sanduíches e batatas fritas. Enquanto a comida não chegava, o homem já
não tão desconhecido assim bebericava uma cerveja e Lígia um refrigerante. Ela
detestava gosto de bebida. A não ser que estivesse num beijo. Imersa em seus
pensamentos, ora fitando os pequenos olhos castanhos, ora observando os
movimentos exercidos pela boca do homem para tomar os goles de cerveja, Lígia
quebrou o silêncio.
- Qual é o seu nome?
Os sanduíches e batatas chegaram.